Tuesday, July 8, 2008

Não deixemos cair no esquecimento o Acordo, e até para manter em banho-maria a língua, enquanto não chega o próximo "barbarionato", na expectativa de haja uma grande "aderência" de candidatos, como bem disse (ele deve achar) o Balsemão no discurso de abertura. Achei muito bom este artigo:

“A orthografia sem ípsilon”


O que se pretende com o acordo ortográfico (de 1990) é aproximar a ortografia de variedades de português praticadas no mundo, segundo um critério fonético simplificador. Acabam as consoantes mudas, como “c” em “acto”, que nem sempre têm a função de indicar a abertura da sílaba precedente, passo o didactismo – aliás, palavra que é uma excepção assaz didáctica – raios, cada tiro, cada melro, sendo que aqui o acento assegura a abertura da vogal. Quanto ao “h”, abundam os enganos: os “Hugos” não serão rebaptizados, “hoje” assim seria amanhã e “úmido” está mesmo para chegar, porque a etimologia o permite (temos o “humidus” e a variante “umidus”). O hífen há-de desaparecer nas formas monossilábicas do verbo haver e teremos mais umas palavras compostas aglutinadas, mas, apesar do esforço, as regras de utilização do hífen ainda seriam tão complicadas que a maior parte dos utentes da língua continuaria a acertas nelas por acaso ou por tentativa e erro. Nos acentos o acordo é mais conservador do que uma anterior proposta de 1986, pois apesar de perderem a acentuação palavras como “dêem”, “pára” e “pêlo”, saem intocadas as esdrúxulas, para alívio de quem tem cágados de estimação. Em suma, dois mil dos nossos vocábulos seriam alterados, sendo o impacto da medida relativo, porque o que impede a comunicação entre falantes de duas variantes da mesma língua não é a ortografia, é o vocabulário, seguido da pronúncia e das idiossincrasias gramaticais. Então, para quê tanto barulho?
Há os nacionalistas, que não aceitam que o acordo represente 1,4 por cento de alterações para Portugal e 0,5 por cento para o Brasil, a quem não preocupa o peso da demografia, capaz de condenar dez milhões a um ridículo “orgulhosamente sós” –, mas também não se vê que o Brasil aceite como contraproposta bordar uma esfera armilar na bandeira. Há os conservadores, que têm quanto à língua uma relação de reverência museológica. Há os teóricos e os puristas catastrofistas, que contestam a lógica utilitarista e rejeitam o primado da língua falada sobre o alfabeto, mesmo se o mais certo foi ter havido oralidade antes de escrita cuneiforme. Há os burocratas, que acenam com regras de procedimento e inconstitucionalidades. E há os editores e os livreiros, pouco empreendedores, que temem o mercado. Se fico indiferente a todos, não deixo de estar contra o acordo. Por princípio.
Não sei se a língua é a minha pátria, mas seguramente a minha infância. Aceitar mudar as regras é sempre uma violência, como se por decreto nos obrigassem a esquecer as férias de Verão. Espero, por isso, que o acordo não passe. Porém, espero também que a geração vindoura defenda as regras da língua que aprendeu, mesmo que estas sejam as do acordo que agora recuso, o de 1990, e não as do que interiorizei (de 1945). Paradoxal? “A linguagem fez-se para que nos sirvamos dela, não para que a sirvamos a ela”, disse Pessoa, que também escreveu: “a orthografia sem ípsilon [óbito em 1911], como escarro directo que me enoja independentemente de que o cuspisse”. Não há aqui heteronímia, apenas uma contradição que a passagem do tempo resolve e, havendo amor à língua, sempre recria.

Vasco M. Barreto, em Jornal Metro, de 14.04.2008

1 comment:

Bruno Cardoso said...

Boa tarde.

Após ler o comentário da Sara, como vi que ela tem razão, apaguei todos os meus posts deste blog e de seguida retirei-me como administrador. Neste momento apenas posso comentar.


SARA, você tem razão, isto é um Blog da Língua Portuguesa. Eu não tenho nem quero um Blog para mim. Mas como há aqui pessoas que considero grandes Amigos não me importei de partilhar "coisas minhas". Não o farei novamente.

Boa continuação.