Monday, September 8, 2008

À Margem dos Acordos Ortográficos

Transcrevo aqui um exemplo de que as línguas estão cada vez mais vivas e em evolução, para não dizer revolução, às vezes visceral, um contra-argumento aos Vascos Graças Mouras dessse mundo global, que pretendem agrilhoar a Língua, impedindo-a de se enriquecer.

Portunhol Sem Fronteiras

Mistura de português, espanhol e guarani, a língua cresce como movimento literário

CLAUDIA JORDÃO

Com o humor típico de um show man, o ator Paulo Betti roubou a cena no Festival de Cinema de Gramado, há duas semanas, no Sul do Brasil. Apresentador oficial do evento, Betti defendeu calorosamente a adoção do portunhol entre os presentes. Cinco filmes latino-americanos concorriam ao Kikito e cerca de 20 cineastas de países vizinhos participavam da premiação.

A iniciativa de Betti tem explicação. Recentemente, ele conheceu o poeta “brasiguaio” – termo usado na região de fronteira entre Brasil e Paraguai para definir pessoas que nasceram por aqui, mas vivem no país vizinho – Douglas Diegues e teve seu primeiro contato com o portunhol selvagem, uma versão, digamos assim, mais turbinada do convencional. Nascido da miscelânia que se fala na região da tríplice fronteira, onde ruas brasileiras, paraguaias e argentinas se confundem, o portunhol selvagem é uma mistura de português, espanhol, guarani e, até mesmo, inglês. O termo é de autoria do próprio Diegues, em homenagem às selvas primitivas da região.

De alguns anos para cá, no entanto, esse emaranhado de idiomas tem deixado a marginalidade das cidadezinhas fronteiriças para se tornar um movimento literário latino-americano. Na Flip, Festa Literária Internacional de Paraty, no mês passado, no Rio de Janeiro, o autor pernambucano radicado em São Paulo Xico Sá participou de uma mesa de discussão e debateu, boa parte do tempo, em portunhol selvagem. Além disso, a novidade tem lançado luz para o original. O portunhol foi a língua oficial da Flap – versão alternativa da Flip, no início do mês, em São Paulo. Além de brasileiros, escritores e poetas hermanos participavam do evento.
Os porta-vozes do movimento são poetas, escritores e artistas que estão presentes em quase todos os países da América Latina.

A miscelânia de português e espanhol migrou da fala para a escrita no início da década de 90, através do livro Mar paraguayo, do paranaense Wilson Bueno. Mas somente de dois anos para cá o uso da língua ganhou força na literatura latino-americana. Diegues é o precursor e divulgador-mor do movimento. Em 2002, lançou seu primeiro livro, Dá gusto andar desnudo por estas selvas. Depois disso, escreveu outras cinco obras e inaugurou a editora YiYi Jambo, especializada em lançar e traduzir títulos em portunhol selvagem. “Fundamos um komitê para traduzir as obras completas de Manoel de Barros al portunhol selvagem, al espanhol y al guarani”, diz Diegues, no mais perfeito portunhol selvagem. “Escrever nessa língua é divertidíssimo. Virou idioma oficial de e-mails e conversas de bar”, diz Joca Terrón, escritor mato-grossense radicado em São Paulo.

No Brasil, Terrón foi o primeiro a aderir à onda. Seu conto Monaks atravessam el Apa, escrito em portunhol em 2003, virou livro em 2006. Sua segunda obra, Transportunhol borracho, foi lançada um ano depois. A vontade de se aventurar pelo portunhol selvagem surgiu depois de Terrón conhecer Diegues pessoalmente. Mas, além disso, o escritor cresceu familiarizado com um mix de idiomas. Nascido em Cuiabá, cresceu em Bela Vista, cidade na fronteira com o Paraguai e com a Bolívia. “Lá, todos eram trilíngües. Aprendi que, apesar da diferença da língua, somos muito parecidos”, diz Terrón. Depois dele, vieram outros brasileiros. Xico Sá tem dois títulos: Caballeros solitários rumo ao sol poente e La mujer és un gluebo da muerte. Ronaldo Bressane é autor de Cada vez que ella dice xis. E a blogueira Clarah Averbuck é o membro mais novo do grupo. Ela escreveu um texto, em portunhol, em Nossa Senhora da Pequena Morte, que será lançado em setembro. Incansável, o próximo passo de Diegues é levar o portunhol para o cinema. Para isso, conta com o apoio de Paulo Betti. “Estarei no filme como ator ou na função que Douglas mandar”, diz Betti. “Acho que temos que perder a verguenza de hablar espanhol.”

O portunhol selvagem, assim como o convencional, que escapa da boca de qualquer brasileiro sem formação em espanhol diante da necessidade, não possui regras gramaticais. “É uma língua freestyle”, diz Terrón. Segundo os escritores, o público não leva a sério, mas se diverte. “Há uma reação lúdica (dos leitores)”, diz Xico. “Todo bêbado, louco e criança adora hablar em portunhol selvagem. Eis o segredo do sucesso e da longevidade”, filosofa. Durante sua participação na Flap, o escritor chileno Héctor Hernández Montecinos disse acreditar que, dentro de dez anos, o portunhol será a língua oficial da América Latina. Seus hermanos discordam. “Deixa o oficialismo com os homens dos Itamaratis da vida”, minimiza Xico Sá.

Revista ISTOÉ - Edição 2026 - 3 de Setembro/2008

3 comments:

Anonymous said...

No sei qué decirte, caro Luiz.
Acabo de llegar de uns diacitos de vacaciones no país ermano sin ache e aqui me tienes ablando também sem agá porque as consoantes mudas no ablan. Voltaremos ao omem das cavernas, homo sapiens que sabe da poda e d'outras artes.
No quiero que te quedes com ideas erradas sobre mi posición respeto al acuerdo. Claro que estou de acordo cu acordo, porque a cor do acordo é cor de burro quando foge, o meu fallecido padre decia burro a fugir, no pasa nada. Pero ele há coisas complicadas para los disgracia moros, que pueden não ser vascos, entenderem. Esses, os degraça mouros, são los viejos do restelo da língua portunholesa com ó sin guarani.
Yo, que jamais combati ou desgracei los moros, muito menos sou velho e muito menos aún de lo restelo (barrio lisboeta, luego de mouros, como nosotros do puârto solemos llamarles). Por eso tenho de ser a favor e prafrentex, que a língua é um cuerpo vivo ou um órgão em constante movimiento, sea él qual for.
Sin embargo, pese embora não ser seu fã, estou com nuestro nobel Saramago, que tambien é prafrentex, pero ha declarado que vai continuar a escrever como até agora, porque parece não ter pachorra (leia-se idade) para aprender las nuevas regulations (leia-se reguleixâns, porque el inglés siempre es o inglês, com plaza reservada em todalas lenguas do mundo).
Conclusão: o Saramago é velho, mas não é do Restelo, además de ser nobel da literatura. Por eso está autorizado a escribir como quiera. E nosotros? Como será com o comum de los mortales? A primeira consequência, en mi opinión, es que, no próximo CNLP, não poderá haver textos para descobrir errores que no hay, porque todo estará cierto, escribas como escribas. Ou comem todos, ou há moralidade, como dice el pueblo en su infinita sabedoria.
Mira, Luiz, tenho pena de não saber umas palavritas de guaranypsilon. Daria um pouco mais de colorido ao texto.
Fica com um quebra-ossos do amigo

Veesse

Anonymous said...

Veesse,

Você, se não houvesse nascido, não poderia ser inventado: é único.
Não entendo porque ainda não se iniciou na escrita. Que não sejam livros, ao menos crónicas (vai continuar "cró" ou passará ao "crô" brasileiro?), por essa criatividade que o impede de agir como um comum dos mortais: tão-somente fazer um comentário. E aí sai um texto como este, uma obra-prima, leve e com o humor que falta a muitos dos que se acham engraçados.
Engraçado é que aos meus ouvidos o portunhol é música, não fora eu filho de português e neto de espanhola (a avó falava castellano, mas a mãe não, por ter chegado ao Brasil ainda de fraldas).
Quanto ao próximo CLP... bem, logo
se verá. Haverá regras? Algumas vez, realmente, as houve? As da Comissão nem sempre foram as das Gramáticas. A Bárbara, a nos barbarizar com as barbaridades da pronúncia. E o Balsemão, a abrir o Concurso elogiando a grande "aderência" de candidatos. Quem sabe, fazem dois testes: um usando o Acordo e outro à antiga. Ou aceitam as duas formas nas respostas, ou..., ou... a ver vamos.
Um abração.
Luiz Lima

Veesse said...

Amigo Luiz

Muchas gracias por tu amable comentario. Sin falsas modéstias, concordo que soy único, porque mis padres não hicieran otro igual. Me quedé Manuel I, el Único.
Escrever, tenho escribido siempre a lo largo de la vida, que já não vai corta. Pero tenho publicado mui poco y sin regularidad, porque não tenho paciência/feitio/pachorra ou sei lá o quê para assumir compromissos de escrita regular con qualquer publicación: estou me referindo a las cronicas, ni cró ni crô, a que ocê alude. Me gusta escribir quando me apetece, es decir, quando me dá na (ir)real gana y sin pressión para publicar en tal ó tal data. Los españoles dicen fecha e eu fecho aqui este parêntesis personal, embora pueda reabri-lo quando quiera. Um dia poderei falar, no hablar, de mi bisabuelo paterno, galego de nacimiento e minhoto de corazón, que desgraciadamente não conheci.
Concordo que a música do portunhol, para quem toca de oído, como yo, también não está nada mal. Pero si fuera possible hacer uma pauta em portunholego (estão a ver o que é, não estão?), entonces a música seria otra.
E se, em vez da componente português vernáculo ou lá o que é, introduzissemos algumas notas em portusileiro? Ni quiero pensar en la maravilla que estaríamos a criar, la octava del mundo, um mix de maria lisboa e garota de ipanema, porqué no?

Porqué no te callas, Manuel? Obrigracias, Juan. Me parece que eres a voz da consciência. Y voy a callarme. Punto. Hoy não escreverei sobre barbaridades ou balsemanidades ou outras idades menos próprias. E disculpen las molestias.

Veesse