Deixem-me só como estou:
rodeado de mim, cheio de mim
agarrado a mim
(desesperadamente agarrado a mim)
os dedos cravados numa alma nua
(angustiadamente nua)
e um fio de sangue a escorrer
invisível, imperceptível
terrível
como a sensação brusca e forte
de lançar os braços à lua
e agarrar, por engano, a morte.
Estou cheio, senhores, estou cheio
deste pseudo-amor do mundo
desta ternura-não de tudo
deste tédio-mais-que-tédio de sombras iluminadas
a fingir pessoas em carne e osso
de mãos estendidas e coração aberto.
Não, não posso!
É tudo demasiadamente certo
para que ame o nojo em que me roço.
Ah, desesperada solidão
de querer o mundo todo nos braços
e sentir o coração
em pedaços!
Abraçá-lo! Abraçá-lo!
E ter na boca um travo negro
de despeito
e ter nos olhos um brilho doce
de humanidade
e ter a alma nua, a alma nua
(angustiadamente nua)
e um fio de sangue a escorrer
da cor da vida.
É por isso que eu quero estar só.
Pois, é por isso!
É por isso que eu quero estar só
agarrado às traves da minha angústia
que é a angústia de todos nós
do tamanho desta noite intemporal.
Não, que ninguém me diga nada
absolutamente nada!
O tempo há-de passar
como passam as rosas e os ciprestes.
E nós havemos todos de acordar
talvez de mãos unidas e alma descarnada
a sorrir às pedras.
Mas não me digam nada!
* * *
Há do lado de lá da vida
um caminho verde e virgem
e uma marcha de silêncio perde-se
para além das nuvens.
M. Vaz Sousa
P.S. - Creio que é interessante referir que este poema foi escrito no já longínquo ano de 1963
e que foi seleccionada para abrir os meus "posts" pela referência aos CIPRESTES.
Saturday, April 19, 2008
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