Já que andamos numa onda de Acordo Ortográfico, deixo-vos esta crónica de José Diogo Quintela:
Quando aqueles empresários portugueses foram mortos em Fortaleza, apanharam um dos brasileiros que agiram a soldo do mandante, o famigerado Luís Militão. Ainda me lembro do rapaz negar ter conhecido os empresários, dizendo "Pô! Mas eu nem sei falar português!" Talvez com o novo acordo, passe a saber.
Não sei se sou contra ou a favor do Acordo Ortográfico. Sei só que, se avançar, exijo que de pronto disponibilizem o spell check para o Windows devidamente actualizado. É-me indiferente se muda a língua ou o que é. Assim como assim, já dou imensos erros. Não domino a versão antiga, também não vou dominar a moderna. Quanto muito, até fico com uma boa desculpa para as minhas calinadas. "Ai, não é "improvisas-te"? É "improvisaste"? Que cabeça a minha, ainda não me habituei ao novo acordo." Nunca mais vou precisar perder tempo a decidir se é "à" ou "há". Antes, se saía cara era com "h", se saía coroa, era sem. Agora é pôr o que ficar melhor na frase e, se estiver errado, culpar o acordo.
Ao lermos ementas de restaurantes, panfletos de hipermercados ou outdoors de publicidade, deparamo-nos com uma data de erros que vão continuar a ser dados. Para grande satisfação popular. Quem não gosta de rir à socapa de uma "assorda de marisco"? Claro que, se estiver estragada, quem ri por último é o analfabeto do cozinheiro. Por alguma razão cada vez há mais pratos com nomes estrangeiros. Há mais confiança para escrever "risotto" do que "arroz malandro".
Este acordo vai ter tanto impacto no lúmpen falante como um aumento no IVA dos iates de 27 metros na vida de, bom, basicamente todos os portugueses sem dinheiro para iates desses. E na dos portugueses que, tendo dinheiro para isso, enjoam no mar.
O lúmpen falante está-se nas tintas se em vez de "hão-de" se vai escrever "hão de", porque vai continuar a dizer "hádem". E se lhe falarem no desaparecimento do hífen, é possível que levem uma murraça. Eu faço parte do lúmpen falante, mas disfarço mais ou menos, porque tenho um bom spell check no computador e os meus textos ainda passam pelo crivo salvador dos revisores. Em termos linguísticos, sou um arrivista. Quero parecer mais do que sou. Uso o dicionário de sinónimos com destreza e misturo-me com os fluentes na língua que, por momentos, me tomam por um deles. Só que depois escrevo qualquer coisa à mão e, sem o protector risquinho encarnado (que ainda agora me chamou a atenção para botar outro "r" em "arivista") a corrigir-me, sou desmascarado. O risquinho encarnado do Word é aquele amigo que nos diz para não usarmos meias brancas com fato escuro num casamento.
De maneira que não estou muito preocupado com isto do acordo. Hei-de continuar a intrujar quem me lê. Para, daqui a alguns anos, poder ouvir dizer "aquele Zé Diogo sempre foi um impostor. Os primeiros fatos que aldrabou ainda eram com "c"".
Não sei se sou contra ou a favor do Acordo Ortográfico. Sei só que, se avançar, exijo que de pronto disponibilizem o spell check para o Windows devidamente actualizado. É-me indiferente se muda a língua ou o que é. Assim como assim, já dou imensos erros. Não domino a versão antiga, também não vou dominar a moderna. Quanto muito, até fico com uma boa desculpa para as minhas calinadas. "Ai, não é "improvisas-te"? É "improvisaste"? Que cabeça a minha, ainda não me habituei ao novo acordo." Nunca mais vou precisar perder tempo a decidir se é "à" ou "há". Antes, se saía cara era com "h", se saía coroa, era sem. Agora é pôr o que ficar melhor na frase e, se estiver errado, culpar o acordo.
Ao lermos ementas de restaurantes, panfletos de hipermercados ou outdoors de publicidade, deparamo-nos com uma data de erros que vão continuar a ser dados. Para grande satisfação popular. Quem não gosta de rir à socapa de uma "assorda de marisco"? Claro que, se estiver estragada, quem ri por último é o analfabeto do cozinheiro. Por alguma razão cada vez há mais pratos com nomes estrangeiros. Há mais confiança para escrever "risotto" do que "arroz malandro".
Este acordo vai ter tanto impacto no lúmpen falante como um aumento no IVA dos iates de 27 metros na vida de, bom, basicamente todos os portugueses sem dinheiro para iates desses. E na dos portugueses que, tendo dinheiro para isso, enjoam no mar.
O lúmpen falante está-se nas tintas se em vez de "hão-de" se vai escrever "hão de", porque vai continuar a dizer "hádem". E se lhe falarem no desaparecimento do hífen, é possível que levem uma murraça. Eu faço parte do lúmpen falante, mas disfarço mais ou menos, porque tenho um bom spell check no computador e os meus textos ainda passam pelo crivo salvador dos revisores. Em termos linguísticos, sou um arrivista. Quero parecer mais do que sou. Uso o dicionário de sinónimos com destreza e misturo-me com os fluentes na língua que, por momentos, me tomam por um deles. Só que depois escrevo qualquer coisa à mão e, sem o protector risquinho encarnado (que ainda agora me chamou a atenção para botar outro "r" em "arivista") a corrigir-me, sou desmascarado. O risquinho encarnado do Word é aquele amigo que nos diz para não usarmos meias brancas com fato escuro num casamento.
De maneira que não estou muito preocupado com isto do acordo. Hei-de continuar a intrujar quem me lê. Para, daqui a alguns anos, poder ouvir dizer "aquele Zé Diogo sempre foi um impostor. Os primeiros fatos que aldrabou ainda eram com "c"".
in P2, Público (20 de Abril de 2008)
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